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Posts Tagged ‘História das Colonizações’

O texto abaixo é uma versão resumida da abertura e do primeiro capítulo do livro “História das Colonizações: das conquistas às independências” de Marc Ferro. Para a realização de tal resumo foram utilizadas quase que completamente as próprias palavras de Marc Ferro.

ABERTURA

As histórias da colonização expressam os diferentes pontos de vista da metrópole. Ela é o prolongamento desta metrópole, a história que o colono escreveu não é a da colônia saqueada, mas a história de sua própria nação.
Ferro não buscou fazer um inventario de todos os fenômenos de expansão ou de colonização, ou banalizar o fenômeno colonial europeu, mas quando for o caso, confrontá-lo com outros.
Premissas:
– Premissa de mundialização para não reproduzir um visão eurocentrica da história;
– Considerar a colonização como um fenômeno que não deve ser dissociado do imperialismo – para os povos dominados houve continuidade da dependência ainda que essa dependência tenha assumido novas formas;
– Não se submeter à versão corrente segundo a qual se sucedem a história da colonização e a da luta dos povos pela independência. Estas puderam ser sincrônicas.
– Tirar a história da colonização do gueto onde a tradição a confinou – nas grandes obras de reflexão sobre o passado nunca se fala das sociedades coloniais. Será uma omissão, um ato falho ou um tabu?
Ferro está preocupado mais em explicar as situações e os problemas do que em obedecer aos costumes de uma construção formal.

CAPÍTULO 1 – COLONIZAÇÃO OU IMPERIALISMO

O OURO OU CRISTO

A rota das especiarias, o que vale essa explicação?
Não se deve iniciar a história da colonização com os Grandes Descobrimentos ultramarinos, com a busca de um caminho para as Índias. Os descobrimentos deram nova dimensão ao fenômeno da colonização e à sua natureza, mas o expansionismo lhe é anterior.
Deve-se falar de “libertação”? De descolonização?

As quatro rotas
– Conotação religiosa – Vasco da Gama declarou que viera à cata de cristãos e de especiarias.
– O Ouro – Cristóvão Colombo revela que o ouro ou a busca deste está onipresente em toda a sua primeira viagem; a riqueza o interessa acima de tudo, em tal quantidade que os reis possam empreender ir conquistar a Santa Casa. A reconquista de Jerusalém foi um dos objetivos de Colombo, obcecado com a idéia de cruzada.
– Terceira rota, a que devia levar às Índias pelo interior da África, e cuja existência era questionada. A finalidade de se chegar à Índia pelo reino do Preste João era aliar-se à Etiópia para atacar o Império dos mouros pela retaguarda. (Intento militar?).
– Riquezas da China e depois as da Índia (econômica). Esta é a única rota que não tem cheiro de cruzada

Uma causa social: o enfraquecimento da nobreza
Fatores que explicam os descobrimentos e a colonização: a paixão religiosa, o gosto pela aventura, a sede de riquezas, a revanche do conquistador, etc.
Existem fatores mais substanciais: os conflitos dos séc. XIV e XV resultaram no deslocamento das grandes rotas comerciais, que tiveram de abandonar parcialmente o caminho por terra e pegaram o mar. Graças a esses deslocamentos, os portos das costas atlânticas enriqueceram-se consideravelmente, e Lisboa em particular.
Diante do quadro reinante na Europa, interessaram-se por esses empreendimentos comerciais passiveis de enriquecimento aqueles cadetes da nobreza portuguesa ou castelhana que não tinham terras e precisavam ganhar dinheiro para não decaírem socialmente. Associaram-se aos negociantes (R. Romano fala disso na pág. 118 – “Conquista e Capitalismo”).
Esse fenômeno social intervém paralelamente ao fatores científicos ou técnicos (ligados ao Renascimento) e aos elementos econômicos ou religiosos.
Necessidade da nobreza de se regenerar, após seu enfraquecimento decorrente das guerras dos decênios anteriores.
A expansão holandesa, a inglesa, e até a francesa, mais fraca, não tiveram um conjunto de causas idênticas àquele que impulsionou a colonização portuguesa e espanhola.
O boom demográfico também desempenhou um papel, uma vez que o crescimento da população castelhana nos séc. XV e XVI ajudou o movimento de emigração.

EXPANSÃO COLONIAL, IMPERIALISMO: QUE RUPTURAS?

Os grandes feitos dos quais a monarquia portuguesa participara, constituíam uma alternativa para a política de reconquista e de cruzadas que conhecera um fim trágico na batalha de Alcácer Quibir, em 1578.
A glorificação dos grandes descobrimentos portugueses teve, portanto, a função de desviar o país da luta frontal contra os mouros, uma terapia de esquecimento que durou vários séculos, até que Portugal conhecesse uma segunda humilhação quando seus rivais, os príncipes da Coroa da Espanha, dominaram Portugal, em 1580, e unificaram a península. Tal função compensatória e de transferência logo foi substituída por outras – expansão comercial, evangelização, colonização, escravidão dos povos, etc. – a tal ponto que a memória histórica ocidental acabou esquecendo quão fundamental fora o motivo da luta contra o infiel.
Bulimia territorial (caracteriza a febre expansionista do imperialismo europeu do século XIX) – manifestação mais visível constituiu na partilha da África, em 1885-90. Para as potências rivais – França, Alemanha, Inglaterra, Portugal, Bélgica – tratava-se de conseguir o máximo possível de territórios, a fim de prevenir qualquer tentativa de o rival apropriar-se deles.
As ocupações fictícias (de terras) são condenadas: “Para autorizar um direito de primeira ocupação”, escreve Rousseau em Contrato social, “é preciso que se tome posse, não por uma vã cerimônia, mas pelo trabalho e cultivo”.
Mais uma característica aproxima a época dos descobrimentos da era do imperialismo: encontram-se as mesmas etapas nos processos de dominação. No séc. XIX, a fase dos descobrimentos e dos pioneiros precedeu a dos governos que os substituíram; observa-se que o mesmo ocorreu nos séc. XV e XVI. A expansão e as navegações foram o resultado cumulativo de dezenas de pequenas tentativas feitas por simples mercadores e aventureiros. Houve uma expansão em dois tempos tanto no séc. XVI quanto no XIX.

O mercado ou a bandeira?
Na era do imperialismo, reencontramos comportamentos que reproduzem os da época das grandes conquistas coloniais. A partir de 1870 o sentimento geral é de que uma nova era começou. Quais seriam as suas características?
A expansão não estava submetida a um processo de continuidade; o crescimento da força colonial dos Estados europeus nem sempre resultava de uma vontade política explícita. Era antes, fruto das circunstâncias; quase sempre as novas colônias haviam sido povoadas por rebeldes, delinqüentes, presos políticos, o que não as valorizava aos olhos do público.
Na França, dá-se a mudança quando os novos territórios conquistados começam a ter uma identidade (Cochinchina, Argélia). A novidade é uma ligeira evolução: agora, a cristianização é vista como um dever da civilização, pois a civilização só pode ser cristã.
Imperialismo – civilizar, colonizar, irradiar sua cultura, propagar-se, tais são os primeiros impulsos do imperialismo, sendo a
Colonização – a “força de reprodução” de um povo pelos espaços.
O imperialismo nutre-se de impulsos ideológicos, mas que não deixam de se escorar em objetivos mais materiais. São estes que estão na origem da formulação mais difundida dessa política colonial em sua nova versão, a qual foi um sucesso. Com o advento das novas potencias industriais (EUA, Rússia, Alemanha) a necessidade comanda a expansão ultramarina.
A essa razão acrescentam-se mais dois argumentos: Humanitário (raças superiores devem cumprir seu deve para com raças inferiores afastadas do caminho do progresso) e Nacionalista (Que a França se retire dessas empreitadas, e a Espanha ou a Alemanha nos substituirão na mesma hora; a política do comodismo nada seria a não ser um ingresso no caminho da decadência). Política de dominação é uma das características do imperialismo.
As necessidades de industrialização e as demandas do mercado rivalizam com a exigência de dominação. Mas esta, aos poucos, impõe-se às outras.

Schumpeter ou Hobson?
Joseph Schumpeter julgou que havia imperialismo toda vez que “um Estado manifesta uma disposição, desprovida de objetivos para a expansão pela força, alem de qualquer limite definível”.
O slogan imperialista teve sucesso porque propiciava vantagens a toda uma série de grupos de interesses, e em particular uma tarifa alfandegária que protegia todos aqueles industriais ameaçados pela política de dumping dos exportadores alemães. Também teve sucesso porque afagava o amor-próprio e o orgulho dos que nada possuíam.
O apoio popular dado à expansão é um dos traços da época imperialista; um apoio que passa pela imprensa de grande circulação que se desenvolveu no séc. XIX, ela mesma produto da expansão industrial.
O interesse econômico é um dos suportes e um dos motores essenciais do imperialismo.
Hobson considerava o imperialismo como um retorno ao mercantilismo, já que a força que o impelia era a necessidade de amealhar um capital nacional a fim de competir com as potencias rivais.
Para Lênin, o imperialismo tinha vários rostos e era o resultado das diversas fases do desenvolvimento histórico.
Os imperialismos do final do séc XIX e do séc XX diferiam do espírito de conquista ou de dominação das épocas passadas e também da expansão colonial dos séc. anteriores pela seguinte característica: estavam ligados ao capital financeiro, e a colonização ou a conquista não eram as únicas expressões de sua existência. A colonização e a conquista territorial podem ser imperialistas; mas no séc. XIX, e até a 1ª Guerra Mundial, o imperialismo dispõe de meios de ação que podem se acomodar com a independência política.
Dominar outros povos foi de fato o motor da expansão, qualquer que tenha sido o motivo declarado desse “imperialismo”:
– Religioso: árabes, expedições cristãs, católicos e protestantes desejando consolidar a expansão de sua fé nos séc XVI e XVII.
– Político: pôde ser o companheiro dessas formas de cruzadas, mas teve sua autonomia.
– Econômico: interesse econômico surge bem antes da denominada era imperialista; afirma-se com Atos de Navegação (1651).
A colonização britânica propiciou a fortuna de um grupo social que soube associar a riqueza de seu solo e de seu subsolo a uma prática financeira e comercial capaz de lhe conferir uma dominação mundial. A industria desenvolveu-se ao lado do Império, mais do que graças a ele ou para ele, a não ser quando, após a crise de 1929, a preferência imperial tornou-se uma verdadeira política global.
Foram quase sempre os altos círculos financeiros que promoveram a política imperialista.

Efeitos comparados
Influência da Revolução Industrial no Imperialismo – a diferença fundamental entre a expansão colonial dos séculos XVI-XVII e o imperialismo que se segue é que a Revolução Industrial dá a este, meios de ação que transformam de cabo a rabo a relação entre metrópoles e colônias.
Diferença entre o nível de vida da Europa e o de suas colônias.
Para os colonizados, a deterioração chegou, brutal, com os efeitos da Revolução Industrial e com o imperialismo.
Salvo na América espanhola, a primeira colonização (colonialismo), de bases frágeis, apenas tocou nas estruturas das sociedades conquistadas e dominadas. Com as exigências do imperialismo econômico, a segunda colonização (imperialismo) promove profundas transformações estruturais. Duas são fundamentais: a desindustrialização (em função de as metrópoles construírem máquinas que produziam centenas de vezes mais rápidas do que um operário da colônia) e a especialização agrícola (em função das exigências de mercado) que deixa de fornecer produtos alimentícios (criando uma desestabilização) – [S. B. Holanda cita a questão do plantio e cultivo do café no Brasil que exigia tanto espaço geográfico como mão de obra que causou a diminuição no cultivo de outros gêneros alimentícios básicos para a subsistência].
Na África negra, a situação colonial criou – fato revelador do imperialismo – um antagonismo entre a economia de subsistência, base tradicional das sociedades, e a economia de mercado.
A adoção de técnicas do Ocidente esteve no centro de um conflito entre a aspiração ao progresso e a resistência das tradições.

Entre colonização e neocolonialismo
Algumas características da dominação dos colonizadores conseguiram sobreviver até mesmo à descolonização (movimentos de independência ?):
– a colonização de tipo antigo, de tipo expansionista, num estágio de livre concorrência do desenvolvimento capitalista;
– a colonização de tipo novo, ligada à Revolução Industrial e ao capitalismo financeiro;
– o imperialismo sem colonização; esse imperialismo sem bandeira sobreviveu aos movimentos de independência da segunda metade do séc XX. Fenômenos de descolonização e de independência dos povos que se libertaram entre 1945 e 1965: se a colonização realmente terminou, a dominação ocidental sobreviveu, aqui chamada de neo-colonialismo ou de imperialismo sem colonos. Esse fenômeno era praticado pelos EUA, que souberam criar colônias sem bandeiras, na América Latina, sobretudo. Foi essa a política que a França seguiu, quando preciso, na África negra, após 1965.
Com freqüência a “descolonização” limitou-se a uma troca de soberania. Substituição de um poder político por outro, decerto, mas todos os tipos de vínculos econômicos sobreviveram, perpetuando a antiga dependência sob outras formas e em benefício conjunto daquelas metrópoles e das novas “burguesias” locais.
Desde os anos 60 os avanços da mundialização (globalização) econômica acarretaram tamanha imbricação e integração das economias, que, hoje, parte dos países ex-colonizados acham-se numa posição de dependência ou de pobreza pior do que a que conheceram no passado.
O dogma do liberalismo em que em que se apoiavam no passado as ex-potências colonizadoras para legitimar a dominação pode se voltar contra elas, beneficiando as novas potências financeiras ou industriais (Japão, ou antigas colônias Taiwan, Cingapura, Coréia).

CIVILIZAÇÃO E RACISMO

O “fardo do homem branco” era civilizar o mundo. Os outros eram julgados como representantes de uma cultura inferior e cabia aos de raça branca, educá-los, formá-los.
O que aproximava franceses, ingleses e outros colonizadores, e dava-lhes consciência de pertencerem à Europa, era aquela convicção de que encarnavam a ciência e a técnica, e de que este saber permitia às sociedades por eles subjugadas progredir.
A história e o direito ocidental haviam codificado o que era a civilização – e seu vinculo com o cristianismo também. Um conceito cultural, a civilização, e um sistema de valores (cristianismo?) tinham função econômica e política precisa. Os que não se conformavam com isso viravam criminosos, delinqüentes, passíveis, portanto, de punição. Eram definidos como “criminosos” homens e mulheres que não tinham de maneira nenhuma rompido com os grupos sociais a que pertenciam (não dá para fazer uma conexão aqui com o debate entre Lãs Casas e Sepúlveda?)
Essa forma de repressão não teria um certo cheiro de racismo?
No séc. XIX as idéias de Darwin exercem um verdadeiro fascínio, como comprova a obra de Marx, e a luta de classes constitui a versão humana da luta das espécies analisadas por Darwin. Quanto à colonização, ela surge como a terceira vertente dessa convicção cientificista, com a diferença de que, na sua bondade, o homem branco não destrói as espécies inferiores, mas as educa (Lei de Charles Spencer – darwinismo social).
A força da convicção imperialista consistia em que esse movimento associava, de um lado, os defensores da razão e do progresso, e, de outro, homens que colocavam o instinto acima da razão e consideravam a necessidade de ação um dado essencial da vida. O Império (britânico), acha-se assim no estágio mais alto da organização social.
Os historiadores ingleses enxergavam o Império Britânico como um sucesso histórico. É curioso que eles contrapusessem aos marxistas um modelo de desenvolvimento histórico paralelo e diferente. Enquanto os marxistas definiam as fases da escravidão, do feudalismo e do capitalismo como prenunciadores do socialismo, os imperialistas ingleses, identificavam outras etapas do desenvolvimento histórico: o Estado-cidade, o Estado-feudal, o Estado de classes, o Estado nacional democrático. O Estado britânico era, portanto, o coroamento de uma história conforme aos ideais de liberdade e de tolerância nascidos durante a Reforma.
A partir do momento em que os povos dominados não mais tiveram que seguir a mesma lei dos vencedores (se tornaram independentes), essa opressão exercida sobre os outros, praticada fora do Império, correu o risco de criar, dentro do Império, uma predisposição para a tirania.
O Império Britânico e o Francês nos discursos queriam atuar de modo que a lei fosse a mesma para todos. Porém, tal projeto chocou-se com os colonos e com os variados interesses.
A dicotomia entre imperialismo e nação surgiu quando o centro da vida política deixou de ser o destino dos bretões, do mineiros, dos galeses ou das vitimas de guerra, mas o das colônias. A expansão colonial tornou-se a solução para todos os problemas internos. Na colônia o funcionário público ou o colono proclamam-se, acima de tudo, franceses – ou ingleses. Era a raça que os definia, e não sua atividade ou sua função social. Era ela que definia a elite, justificava a opressão.
As teorias raciais já existiam antes da colonização, antes do imperialismo, mas tinham pouca repercussão. O imperialismo deu-lhes substância e vida, propagou-as. Elas foram aplicadas até na Europa continental, onde a ideologia racista produziu um totalitarismo particular, legitimando o poder total de uma “elite”, de uma raça superior, sobre outros europeus, mas com argumentos semelhantes (Nazismo).

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